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Sociologia na escola: agora é obrigatório!


          A inclusão da Sociologia no espaço escolar não é algo que se possa dizer novo; sabe-se que foram historicamente, muitas tentativas, idas e vindas em diferentes momentos da educação brasileira. Agora, com a Lei nº: 11.684, de Junho de 2008, a Sociologia passou a ser considerada, novamente, no Brasil, uma disciplina obrigatória nos currículos do Ensino Médio. Para os sistemas de ensino foi dado um prazo, entre 2009 e 2011, para que a inclusão fosse, gradativamente, sendo implementada nos currículos das escolas brasileiras. Antes dessa Lei, em Pelotas/RS, essa disciplina ocupava uma condição não muito nobre mesmo naquelas poucas escolas nas quais eram ofertadas. Em algumas dessas escolas, por exemplo, os professores sequer tinham formação específica na área. Foi possível verificar, em 1998, que professores que ministravam a disciplina de Sociologia eram formados em áreas diversas como Matemática, Psicologia, Pedagogia e outras; alguns deles eram designados para essa disciplina com a finalidade de complementação de suas cargas horárias. Parece que até hoje esse quadro ainda não é muito diferente, a disciplina de Sociologia é considerada como uma daquelas áreas do saber, assim como: Artes, Música e Filosofia, em que todo mundo pode “meter a colher”, bastando um pouco de ousadia, criatividade e voluntarismo. Tratamento muito diferente é dado a outras, como Português, Matemática, Química, Física, disciplinas tradicionalmente consideradas como as mais nobres e importantes para a vida futura dos alunos: o vestibular, a universidade, o trabalho, a profissão, etc.
         Até se efetivar novamente essa tão sonhada obrigatoriedade da Sociologia, foram muitas (e longas) as justificativas, as lutas pela inclusão da Sociologia nos currículos das escolas. No impacto desse clima, na época de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, a obrigatoriedade dessa disciplina chegou a ser votada, mas nosso Presidente Sociólogo vetou essa possibilidade com o argumento principal de que não haveria um contingente de professores formados nessa área para dar conta da demanda que emergiria das escolas. Mas enfim, agora estamos em outro momento, não mais de apelos, mas de concretização de um sonho. É uma nova fase de luta! Porém, nós diríamos que, depois das lutas, das aclamações e da considerada “vitória” da obrigatoriedade, estamos passando por um momento de esfriamento: como se simplesmente uma Lei fosse capaz de resolver todos os problemas e como se os gestores, as escolas e seus currículos fossem, simplesmente, capazes de acolher a Sociologia e lhe dar o status que merece. Se o pensamento é esse, desculpem-nos, pois, enquanto profissionais e educadores dessa área, estamos, mais uma vez, perdidos e fadados a mais um insucesso com a Sociologia na escola.
Pensando no início do ano letivo de 2011, em Pelotas, para o qual as escolas deveriam estar preparadas para fortalecer a disciplina de Sociologia, vários pensamentos estão-nos torturando:
  • Por onde andam as discussões sobre a relação entre Sociologia e a escola?
  • O Município e o Estado contrataram professores formados na área? As escolas reorganizaram seus currículos?
  • Que currículos são esses, o que eles trazem, quais objetivos, quem produziu e o que priorizam?
  • E a Universidade, como tem tratado desse tema, tem prioridade ou não? Como vem formando seus Licenciados, eles estão preparados para atuarem nas escolas?
Confessamos ter receio das prováveis respostas! Essas questões podem não parecer importantes, mas, podem acreditar, elas merecem respostas embasadas em reflexões e discussões entre gestores, professores, universidades, intelectuais da educação e da sociologia, pois essa não é uma questão simples, mas muito complexa. Em nossa avaliação, pelo menos, dois desafios estão lançados mais imediatamente: a questão da formação do professor de Sociologia para atuar no Ensino Médio e a questão do currículo escolar.
Discorremos sobre o primeiro desafio: a formação do professor de Sociologia. Atualmente, partindo dos dados preliminares de uma pesquisa que esta sendo desenvolvida numa universidade federal, parece que a formação do Cientista Social ou Sociólogo vem-se sobrepondo à formação do professor; ou seja, antes de conjugar conhecimentos, saberes que se complementam, a formação do Sociólogo vem sendo a matriz primordial através da qual a formação do professor está amarrada. Ser professor parece ser apenas um apêndice do ser bacharel, essa condição marca uma formação de professor empobrecida, aligeirada, desarticulada da escola, das questões educacionais e das práticas pedagógicas. Se for assim mesmo, e a pesquisa logo mostrará, podemos pensar que os professores que vão para as escolas não estão sendo preparados, adequada e suficientemente, para serem professores, mas para serem cientistas. Acontece que, quando esses professores se deparam com o ensino nas escolas de Nível Médio, lhes falta um tipo de saber específico; lhes falta um repertório de conhecimentos, saberes e práticas que lhes ajude a vincularem o que aprenderam em suas formações em relação às questões da Escola Básica, da profissão do professor, etc. Esse é um problema que precisa ser resolvido imediatamente nas Universidades. Todavia, há que se salientar que esse problema não aparece apenas na formação acadêmica de professores desta área. É mais uma questão cultural de valorização (ou desvalorização) das licenciaturas.
Boa parte dos cursos de licenciatura passa por essa situação, e, nesse aspecto, tem-se que levar em consideração questões como a condição que, na sociedade brasileira, historicamente, ocupam as licenciaturas em relação a uma formação dita científica. A relação é de posição de poder, a profissão de professor foi, ao longo dos tempos, sendo considerada de status inferior, desvalorizada e menos nobre do que a profissão de cientista. Essa é uma questão histórica e que precisa ser revisitada agora para ser transformada e instituída de nova forma, com um novo sistema de pensamento e ação. Contudo, o que é fundamental é questionar como a profissão de professores, sendo a única a qual todas as demais necessitam, pode continuar nessa condição em que se apresenta? Temos visto, inclusive, uma propaganda do MEC nos canais de TV, que chama a atenção para a importância de ser professor e tenta convencer as pessoas que essa é uma profissão que vale a pena. Fazer este tipo de propaganda parece bom, é um caminho, mas somente isso não basta; é pouco! Poucas são as perspectivas que provocam desejos de se abraçar essa profissão. Sabe-se que professores de escola pública básica ganham salários miseráveis, trabalham muito (alguns em diferentes escolas) e, na maior parte das vezes, em condições precárias (em termos de estruturas das escolas, de transportes, gestão, etc), convivem com realidades inimagináveis; não são raros aqueles que desenvolvem várias funções nas escolas e alguns precisam, às vezes, fazer “bicos” para complementar a renda familiar e ter uma vida digna. Como consequência, muitos adoecem por causa dessas condições; não descansam suficientemente; convivem pouco com suas famílias, etc. Não se pode ser hipócrita e pensar que uma pessoa que busca formação superior e uma profissão, hoje, ainda vai acreditar apenas em vocação e doação. O que qualquer um deseja é ser feliz, ter um bom salário, trabalhar num ambiente limpo, agradável e dinâmico e desenvolver um trabalho de qualidade. Sabe-se que isso está cada vez mais difícil. Basta fazer uma enquete com alunos de licenciaturas, em início de curso, como já fizemos em diversas ocasiões, para saber que eles estão por ali por muitas razões, mas grande parte desses estudantes nem querem ouvir falar em ser professor. Muitos deles declaram quererem uma ponte para entrar em outros cursos, qualificação para concursos públicos. Outros entram porque estão frustrados; por não conseguirem entrar nas Universidade em cursos com mais status social e econômico e querem agradar, momentaneamente, aos seus pais e a licenciatura é uma possibilidade mais viável. Essa é uma situação que precisa ser verificada urgentemente se for interessante desenvolver uma disciplina de Sociologia qualificada no espaço escolar.
O segundo desafio diz respeito à compreensão de currículo. Primeiramente, advertimos que a nossa concepção de currículo escolar é ampla, ou seja, nós compreendemos currículo como o conjunto de todas as experiências que a escola movimenta, seja quanto ao caráter escrito de conteúdos, de disciplinas, dos valores e conceitos, seja nas experiências vividas na prática cotidiana das salas de aula ou nos corredores das escolas. Portanto, nos devíamos daquela ideia de currículo como apenas uma lista ou grade organizada, ordenada, hierarquizada de conteúdos e conhecimentos neutros e desinteressados. Entendemos o currículo como instrumento de poder que cria, organiza, define, orienta e fabrica, através das prioridades que seleciona, condutas específicas para os sujeitos aos quais se apresenta; ou seja, o currículo é um instrumento que fomenta e fortifica comportamentos, atitudes, habilidades, desejos, representações, significados que interferem nas subjetividade e identidades (coletivas e individuais). O que isso tem a ver com a inclusão da Sociologia no Ensino Médio? Muito!
Em tempos de transformações capitalistas radicais, anunciadas por diferentes intelectuais da educação, e também por Sociólogos, entre eles, Antony Giddens e Zigmund Bauman, novas exigências com tendências globalizadas estão se impondo como imperativos e diretrizes para as condutas humanas. Presenciamos uma série de transformações sociais e culturais que vão, aos poucos, criando uma nova racionalidade, constituída de um conjunto de noções, termos e tecnologias que constrangem a forma como se pode pensar, propor e falar em sociedade. O projeto social que proporciona esse sistema de razão e as atuais transformações sociais e culturais vem sendo chamado de neoliberalismo. Na busca por novas formas de governar que sejam sempre mais econômicas, distantes, livres e eficazes para resolver suas crises, essa forma de capitalismo vem imprimindo uma reconfiguração política na qual se assiste à expansão, cada vez mais fortificada dos esforços para estender, à toda sociedade e a seus sujeitos, criativa e positivamente, uma mentalidade com base na ampliação da empresa, do consumo, da concorrência e do hiperindividualismo, em todos setores sociais (economia, cultura, política, educação etc), bem como na fabricação de novos sujeitos para responder a esse interesses. Essa mentalidade percorre o mundo, favorecida pela ampliação das relações globalizadas, pelos avanços nas tecnologias de comunicação, de informação e dos meios de transportes. Incluem-se, nesse processo, o pensamento econômico nas práticas políticas cotidianas através de conceitos como privatização, respeito ao mercado e ao cliente, qualidade total, liberdade de escolha, auto-responsabilidade e tantos outros. Resumindo, o que importa, nesse cenário, é criar sujeitos com características e habilidades voltadas para jogar esse jogo do mercado e do consumo, da competição, das relações flexíveis e abertas próprias da economia globalizada e do aprofundamento do individualismo.
Se for possível acreditar na imanência entre educação e sociedade, então há que se compreender que existem muito interesse em fazer do conhecimento escolar e de suas práticas um lugar no qual movimentar essa nova cultura neoliberal. O currículo é um lugar indicado para isso e por essa razão é muito disputado. Por esse motivo, especialmente, penso que se nós, interessados na Sociologia, não ficarmos atentos ao que vai ser ensinado nas escolas, pode-se correr o risco de que outros, com outros interesses e desejos, possam tomar as decisões. Mas, contudo, se compreendermos o currículo como uma fonte de poder, pode-se pensar que criar um espaço para a Sociologia nas escolas exige ação, debate, discussão, argumentação, enfim, uma luta voltada a ampliar o entendimento da Sociologia como algo que importa e que tem utilidade para a escola, para os alunos, para os professores e para a sociedade. Acreditamos que isso, ainda, não está perto de acontecer.
O imaginário sobre Sociologia que é movimentado nas escolas é de algo menor e chato; algo sem necessidade imediata para a vida dos alunos. Talvez essa imagem seja mesmo uma boa estratégia para desconstruir a própria tarefa da Sociologia, a da critica social, e manter as coisas como estão ou deveriam estar. Como disse Pierre Bourdieu (1983), no texto A arte de resistir as palavras”, a Sociologia “é uma ciência que perturba”. Como faz isso? Ela o faz através de diferentes vias e com um conjunto sistemático e coerente de condições, observações, hipótese, conceitos, métodos e investigações. Com esses instrumentos, ela coloca em xeque questões que são tratadas como naturais no interior das relações sociais, culturais, econômicas e políticas, das instituições, das práticas cotidianas, das formas de identidades e subjetividades que compõem uma sociedade determinada. Ao fazer isso, a Sociologia cria questões e problemas, gera desconfiança e desacomoda as pessoas; assim, talvez seja, mesmo, muito conveniente deixar que se pense que a Sociologia não tem utilidade para a vida dos alunos. Dessa forma, as escolas não precisam se preocupar com professores qualificados, com currículos bem preparados; que a disciplina não passe da leitura de textos de auto-ajuda retirados de fontes questionáveis, ou que seja desenvolvida como meio de decoreba de fragmentos descontextualizados de textos de clássicos da Sociologia como Marx, Weber e Durkheim. Para alguns, interessa que o tipo de saber e as habilidades que a Sociologia pode desenvolver fique, mesmo, fora do espaço da escola.
Entendemos, portanto, que é preciso colocar, urgentemente, em pauta a questão da obrigatoriedade da Sociologia nas escolas, ou nossa sociedade correrá o alto risco dessa disciplina ser apenas mais uma acomodada na lista de disciplinas das escolas e, assim, não fazendo diferença na vida dos estudantes e da escola.
Felizmente, acreditamos que há muitos educadores e pesquisadores incansáveis preocupados com o que a Sociologia representará no currículo do Nível Básico de Ensino e com o que ela pode fazer com os alunos e professores.

Mara Rejane Vieira Osório.
Graduada em Ciências Sociais e Doutora em Educação

Cassiane Freitas Paixão.
Graduada em Ciências Sociais e Doutora em Educação